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Sars-CoV-2 (Covid-19) A Responsabilidade pela Perda de Uma Chance

Propõe-se uma reflexão sobre a possibilidade de aplicação prática da teoria da perda de uma chance, em decorrência da omissão ou demora no esclarecimento sobre tratamento de paciente com sintoma(s) de SARS-CoV-2 (Covid-19).

Estamos no final de março de 2021 e as três fases da doença causada no organismo afetado pelo vírus da SARS-CoV-2 (Covid-19) são conhecidas (replicação viral, inflamatória e sistêmica) e há grande difusão de estudos e evidências que revelam a necessidade de cada uma das fases ser abordada e tratada de maneira específica, aumentando assim a possibilidade do indivíduo superá-la e sobreviver.

Depois de mais de um ano de pandemia houve avanços de pesquisas e a constatação de evidências positivas na utilização de drogas de caráter preventivo, de tratamento precoce e também durante as fases avançadas da doença, quando ocorre insuficiência respiratória.

Observa-se que duas correntes antagônicas se formaram, havendo aqueles que defendem a prescrição de tratamento imediato e aqueles que desprezam tal iniciativa, fundados quase sempre na falta de comprovação científica de eficácia, ou existência de estudos que revelariam tal ineficácia. O quadro fático é de que existem estudos que podem amparar tanto a eficácia como a ineficácia de tratamento ou de determinada droga no enfrentamento do vírus e seus efeitos.

Sustenta-se que tal antagonismo é fenômeno que atrai, ou deveria atrair, a atenção dos operadores do direito.

Desde Hipócrates a medicina é conduzida pelo axioma “Primum Non Nocere” que significa em tradução livre, em primeiro lugar não causar dano. Deriva deste princípio a compreensão lógica de que, a primeira questão a ser avaliada pelo médico é se há segurança na estratégia definida para seu paciente, para somente diante de resposta positiva tratar da questão da eficácia. Se há segurança ou os riscos envolvidos compensam os resultados almejados, surge a viabilidade na indicação e prescrição de fármacos ou tratamento imediato de SARS-CoV-2 (Covid-19).

Os profissionais que aderem ao tratamento precoce levam em consideração doutrina e relatos de colegas, estudos da época da SARS-CoV, a medicina de evidência, tratamento off-label e exemplos de experiências adotadas em cidades que tiveram bons resultados no enfrentamento da SARS-CoV-2 (Covid-19), além, é claro, a segurança da iniciativa, com nível baixo de risco ao paciente.

Sobre a adoção de tratamento off-label, a Anvisa já se manifestou favorável em outras situações, como de tratamento oncológico, havendo no STJ decisões que beneficiam consumidores que buscaram o fornecimento de medicamento off-label, constatando-se que os conselhos da classe médica têm reiteradamente se posicionado pela autonomia do médico na prescrição de fármacos.

Um ponto de reflexão é se essa autonomia pode ser interpretada como autorização para omitir do paciente a existência de tratamento, ou até mesmo se ela serviria como um salvo conduto para desacreditar o tratamento ou quem o recomenda.

A indisponibilidade de vacinas, o seu custo, percentil de ineficácia e os efeitos colaterais, estão envolvidos para ser tomada decisão pela indicação de tratamento profilático imediato, diante de qualquer quadro sintomático, independente até de exames, porque não é raro que os exames demoram, ou não estão disponíveis, ou o paciente não tem condições de arcar com custo de serviço particular, além do que, o tempo que leva para obter o resultado pode interferir no efeito da medicação no organismo infectado, que é mais eficiente quando adotada ainda na sua primeira fase.
A hipótese de questionamento de responsabilidades no Poder Judiciário abre o campo de debate sobre a atuação do médico, do plano de saúde e do próprio Estado, pela demora ou omissão na prescrição de tratamento imediato, ou profilático, naqueles casos em que a doença causou danos e sequelas ou até mesmo a morte do paciente.

Daquilo que foi exposto até aqui e observadas as peculiaridades de cada caso concreto, argumenta-se que diante das informações disponíveis sobre a doença, a busca de responsabilização, pelo menos na esfera civil, poderá adotar a teoria do direito francês, da perda de uma chance (la perte d’una chance), que consiste na responsabilização de alguém que, por ação ou omissão, tenha tolhido de outrem a oportunidade de obter uma vantagem ou evitar prejuízo.

O Código de Ética Médica regulamenta que é um dos deveres do médico apresentar ao paciente os meios disponíveis de prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças, cientificamente reconhecidas e ao seu alcance, assim, poderia ser caracterizado como omissão deixar de esclarecer e orientar o paciente acerca da existência de profilaxia ou da necessidade de início imediato, assim que aparecerem os primeiros sintomas. Onde há omissão pode haver culpa.

A doutrina nacional já admite e aborda a perda de uma chance como um gênero de indenização, distinto de lucros cessantes e danos emergentes, caracterizando-se como uma resposta do direito a uma vantagem que foi frustrada.

Diante do exposto, sem a pretensão de esgotar o assunto, mas tão somente de apresentá-lo para reflexão, sustenta-se que existe a possibilidade de utilização da teoria da perda de uma chance como fundamento para demanda de responsabilização por óbito ou sequela decorrente de SARS-CoV-2 (Covid-19), por exemplo, naquelas situações em que houve omissão na adoção imediata de medidas profiláticas ou omissão no esclarecimento do paciente sobre a existência de tratamento, seja ele iniciado imediatamente ou nos demais estágios da doença, imputando-se a responsabilidade a quem de direito, que pode ser o médico, o plano de saúde ou até mesmo o próprio Estado, a depender, tanto a identificação da responsabilidade como o sucesso da ação, das peculiaridades de cada caso concreto que é levado à apreciação do Poder Judiciário.

Por Jonas Piccoli OAB/SC 13.448


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